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Nas Tuas Mãos | Crítica | Rui Ochoa | Expresso

 

Dentro de Ti Ver O MarNas Tuas Mãos - Romance. Edição alemã: In Deinen Händen. Edição espanhola: En Tus Manos
Edição americana: In Your Hands, de Inês Pedrosa
Edição portuguesa: 227 páginas, Dom Quixote
Edição brasileira: 208 páginas, Alfaguara
Edição alemã: 318 páginas, Luchterhand
Edição espanhola: Destino

 

Os homens lá tão longe

Três histórias de irremediável solidão num romance belo e triste

Três vidas, três gerações de solidão: é infindamente melancólico o percurso que. Inês Pedrosa nos propõe no seu último livro, Nas Tuas Mãos. Depois da falhada tentativa de romance adolescente que constituiu A Instrução dos Amantes, a autora surpreende-nos com uma ficção cuidadosamente elaborada, personagens de corpo inteiro vogando desiludidas entre as suas ilusões, uma escrita eficiente que sabe comover o leitor, um esforço largamente conseguido de individualizar as várias vozes dos narradores.

São histórias de mulheres, perdidas na impossibilidade de captarem o mundo masculino, que lhes foge nos duros acasos da soite (caso da personagem Camila), no pragmatismo de uma vida escolhida sem acidentes (Natália), ou na inapreensibilidade da relação homossexual (Jennifer). Através delas encontramos os vários olhares sobre o mundo da classe média-alta lisboeta desde os anos 30 até hoje: a extravagância «belle époque» que entre nós apenas encontra expressão no entre-guerras, o rigor idealista da geração de 60, o «realismo» agressivo dos anos 80. Para cada período, escolheu a autora um modo de expressão diferente: os anos 30 e 40 são-nos dados por um diário, o de Jenny; a filha dela comenta as fotografias de um álbum; a neta escreve-lhe cartas. A principal aposta reside, pois, na diferenciação dos registos de cada uma: Inês Pedrosa contrapõe ao recordar torrencial do diário (na realidade, mais próximo do monólogo dramático) as frases curtas e sacudidas da fotógrafa Camila e uma linguagem que não hesita perante as digressões epistemológicas da arquitecta Natália. A melancolia une num tom comum estes três modos, cuja distinção apenas é comprometida pelo recurso aos tempos narrativos que, aqui ou além, esbatem a desejada diferença entre as vozes.

Dos três registos, o mais belo é o de Jenny. Dir-se-ia que, liberta da necessidade de fazer entrar a história do País na vida das personagens, que se impõe para os períodos mais recentes, a autora ficou livre para o discurso intimista e puramente ficcional em que nos oferece o seu melhor. O olhar terno e triste dessa mulher esposa e virgem, sempre amante, tem uma infelicidade doce que recorda Irene Lisboa. É um olhar feminino, que feminiza o mundo todo em volta; as relações entre Pedro e António, nomeadamente, são um bocado lacrimejantes, o que, num registo naturalista, lhes comprometeria a verosimilhança. Mas não é uma história naturalista que se nos apresenta, mas o desvario dolorido de uma mulher irremediavelmente apaixonada e só, no cenário genial e louco de um jardim de árvores talhadas em peças de xadrês: «Sussurras-me que estou doida. Talvez tenhas razão. Mas não estou mais doida do que naquela noite em que, arrebatada pela tua indiferença, sonhei que contratava dois criados e entrava na sala de jantar deitada sobre uma salva de prata forrada de lírios, nua com uma maçã na boca.» A autora dá-nos, ainda, momentos de delicadíssima observação: «Algumas eram homens tristes dé o ser, que de tão tristes se aperfeiçoavam no extremo da beleza feminina. Caminhavam sobre nuvens, como se compartilhassem o violento pacto de feminilidade da pequena sereia de Andersen e a cada passo sentissem mil facas dilacerando-lhes a carne escondida sob o papel de lustro.» Com a paixão até à loucura de Jennifer contrasta o rigor de Camila, olhando para o seu auto-retrato: «Gosto desta mulher de olhos cinzentos carcados por olheiras roxas, cavadas. Gosto das sobrancelhas ralas desta mulher, das rugas que lhe reduzem a cor dos olhos a um traço de luz. Gosto das suas faces cavadas, do queixo demasiado agudo, os ossos quase à transparência da pele. Gosto desta boca lisa, sem cor nem volume. Gosto das dobras deste pescoço como de um mapa esborcinado depois de muitas viagens. Esta mulher imprimiu-se inteira na sua vida e sabe que vai morrer. Ninguém pode já fazer-lhe mal».

Curiosamente, é o registo mais contemporâneo, propriamente contemporâneo da autora, aliás, o que sai menos convincente, como se a preocupação de respeitar a realidade lhe tolhesse a verdade dos sentimentos Apesar disto. Inês Pedrosa não só produziu um belo romance como parece ter encontrado uma maioridade que nos deixa na agradável expectativa da próxima obra.

Rui Rocha, Expresso, 01 de Novembro de 1997

 

 

 
 
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