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Desamparo | Entrevista | por Rita Lúcio Martins | "Discurso Direto", Revista Máxima

 

Dentro de Ti Ver O MarDesamparo – Romance
de Inês Pedrosa
Edição portuguesa: 320 páginas, Dom Quixote.
Edição brasileira: 296, Leya
Edição croata: 208, OceanMore

 

 


Autora multiplamente premiada e consagrada. Inês Pedrosa apresenta o seu mais recente livro Desamparo (Dom Quixote) conta a história de uma mulher que, levada para o Brasil aos três anos, regressa a casa mais de cinquenta anos depois.

O livro começa com um regresso, mas sustenta-se também no conceito de (in)adaptação. A felicidade implicará sempre alguma espécie de pertença?
Parece-me que a felicidade implica sempre a alegria da comunhão. Não há um modelo único de felicidade, mas não creio que seja possível ser-se feliz sem amor (de qualquer tipo que seja). Aqueles que se reconhecem e entendem pelo gesto e pelo olhar são felizes, mesmo que lhes falte muita coisa. Vejo que muita gente desvaloriza a felicidade porque a confunde com a festa e a novidade permanentes, a felicidade pode consistir na partilha da tristeza.

Desamparo. A palavra escolhida para título do livro é uma boa forma de definir este momento que atravessamos?
Creio que sim porque o sentimento definido por esta palavra é complexo e inclui muitas formas de precariedade insegurança económica e psicológica, medo, desespero, solidão. O livro reflete sobre tudo isso.

A felicidade plena poderá ser uma utopia em quase em todas as épocas, mas os momentos de crise deixam-nos ainda mais vulneráveis. Eventualmente mais sós. A solidão – nas suas muitas nuances – é um dos estados mais incontornáveis do nosso tempo?
Discordo da visão da felicidade como utopia; é uma conceção quantitativa, fechada, que diz mais da confusão ética da nossa era mercantil e acelerada do que da realidade da existência humana. E resulta também de uma herança judaico-cristã assente na culpa e na expiação. Não é pecado nem prova de falta de inteligência ser-se feliz, se as pessoas tomassem consciência disso, a crise não teria sido tão avassaladora. Pessoas infelizes alimentam a inveja e o medo, que são autênticos vírus de depressão. A solidão não é incontornável, temos hoje mais possibilidades de contacto e intimidade do que em qualquer outra época da História. Este romance recorda que a solidão pode ser ultrapassada e que a vulnerabilidade pode tornar-se uma força.

A Inês é considerada uma mulher de causas. Elas mudam consoante os tempos? Quais diria serem as suas grandes causas?
Apenas procuro dar o meu contributo para tornar o mundo um pouco mais justo. A intervenção cívica dá-me genuíno prazer, seja no território da cultura ou da justiça social. Trabalhei com o mesmo empenho e em regime de puro voluntariado a favor da legalização da interrupção voluntária da gravidez e do casamento das pessoas do mesmo sexo, como em diversas campanhas eleitorais (em particular a da Presidência da República, há dez anos), na comissão de ideias para a celebração dos cem anos da República ou em projetos culturais e educativos avulsas. Sinto que recebo sempre tanto ou mais do que dou, e que o tempo me tem acrescentado aprendizagem, mas tenho as mesmas causas e o mesmo espírito que tinha aos 20 anos. Não me arrependo nada do tempo dedicado às causas que tenho defendido e às pessoas que apoiei; tive naturalmente algumas deceções, mas o balanço é sempre compensador.

E que desafios a desassossegam, permanentemente?
A impossível perfeição. A descoberta. O prazer de pensar livremente. Aprender cada vez mais; comecei a trabalhar muito cedo e tinha saudades de estudar, pelo que estou agora, finalmente, a fazer o doutoramento. Quero sobretudo escrever livros cada vez melhores

Entrevista a Rita Lúcio Martins, "Discurso Direto", Revista Máxima (Edição de 01/03/2015)

 

 
 
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