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O que vai ser o Festival Internacional de Cultura | Inês Pedrosa

 

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O que vai ser o Festival Internacional de Cultura

Inês Pedrosa

O desejo democrático retirou a cultura do clube fechado dos detentores do saber e, na ânsia de a tornar mais acessível às massas, passou a defini-la como uma forma de lazer: a cultura tornou-se uma forma de preencher os chamados "tempos livres", um exercício mental que complementaria o exercício físico e afinaria as competências sociais e estéticas dos indivíduos. Esta visão mecanicista e produtivista é na verdade um prolongamento da ideia da cultura-redoma; em vez de uma redoma VIP temos agora a imagem de um circo, uma redoma alargada ou vasta tenda debaixo da qual se produzem uns eventos que supostamente educam e entretêm o seu público. É cada vez mais frequente, aliás, a associação da palavra entretenimento à palavra cultura; até instituições museológicas a utilizam, no frenesim de aumentar audiências. O que de imediato singulariza o projecto do Festival Internacional de Cultura, que, de 9 a 18 de Setembro, Câmara Municipal de Cascais e o grupo editorial Leya organizam em conjunto, pela segunda vez, é o entendimento de que a cultura representa uma forma de olhar o mundo e agir sobre ele e não se cinge a uma mera injecção de saber ou de actividades artísticas destinada a preencher o vazio dos períodos de descanso laboral. Nesta perspectiva, a política e a economia são formas de expressão cultural, tal como a literatura, as artes ou a História.
O debate é o molde deste Festival: debate entre escritores, políticos, economistas, pensadores e artistas de diversas partes do mundo, e destes com aqueles que quiserem vir participar no Festival. Todas as sessões serão abertas à participação do público, e haverá ainda encontros com variados escritores na Feira do Livro incluída no FIC. Destaco também as noites de poesia e música e a variedade de exposições e espectáculos, num conjunto de propostas muito abrangentes e de grande qualidade, bem como o cinema, em particular a retrospectiva do marcante realizador português José Fonseca e Costa. A componente de animação para crianças – hora do conto, ateliers, leituras – é também importante num festival transversal e pensado para gente de todas as idades. Shakespeare é este ano a figura homenageada pelo Festival – outra especificidade do FIC é essa de se construir em torno de figuras fortes e simbólicas da cultura universal – e o Teatro Experimental de Cascais oferecer-nos-á um dia antológico de representações shakespereanas.
Coube-me a curadoria do programa de debates do Festival. Programar é, num primeiro momento, parar para pensar: reflectir sobre os temas visíveis e submersos do mundo contemporâneo, procurar discernir e entender os acontecimentos autênticos, demasiadas vezes soterrados sob a velocidade e a fragmentação dos dias de hoje. O segundo momento é o de levantar perguntas. O terceiro, o de escolher pessoas que possam iluminar todos os recantos dessas perguntas e ousar propor caminhos que conduzam a respostas. Escolher nunca é um acto fácil nem perfeito. Sobram sempre hipóteses, sobram sempre vozes – mas viver é um trajecto imperfeito, marcado por ausências e excessos. Para aproximar as escolhas das ideias, para mim centrais, de equidade e justiça, há que definir critérios: os meus, quanto ao programa de debates que fui convidada a organizar para a 2ª edição do Festival Internacional de Cultura, foram, genericamente, os seguintes:
• Aprofundar o diálogo entre as culturas portuguesa e brasileira. Na edição inaugural do Festival, com curadoria de Lídia Jorge, a tónica lusófona centrou-se na relação de Portugal com os países africanos de língua portuguesa. Assim, pareceu-me que, nesta segunda edição, deveríamos estreitar os laços com a fortíssima potência cultural que é o Brasil.
• Abordar culturalmente a política, a economia e a História, e politicamente a literatura.
• Cruzar artes e géneros, e indagar sobre a prevalência mediática de certos géneros – como o romance histórico ou as diferentes formas de biografia e autobiografia.
• Trazer a obra de Shakespeare para a discussão contemporânea – partir de uma frase deste autor inesgotável como mote de cada mesa de conversa; esta pesquisa levou-me a entender que a maior dádiva shakespeariana é a do pensamento incessante, indeterminado e livre, e a encontrar o título genérico para esta edição do FIC; acabei também por fazer uma antologia de Lições de Vida de William Shakespeare, um livro que nos mostra o lado solar da sabedoria do criador de Hamlet.
• Procurar participantes com obras significativas e visões fortes e contrastantes – e, na sua esmagadora maioria, inéditos, em relação à anterior edição do Festival. Procurar, para a moderação dos debates, jornalistas rigorosos, com facilidade de comunicação e conhecedores dos temas e do trabalho dos autores em causa.
• Incluir mulheres em todos os debates. Deveria ser uma evidência, mas infelizmente ainda se inclui na categoria dos "critérios".

A cada leitor destas linhas caberá analisar o programa e escolher o que mais lhe interessa: não vou, obviamente, proceder a distinções dentro da escolha que já fiz. Permito-me apenas chamar a atenção para uma sessão musical que considero incluída no programa de debates, porque se trata de um misto de conferência conversada e espectáculo, um formato que o músico e professor universitário José Miguel Wisnik (o seu autor) baptizou como "aula-show" e que nos traz a excelência da poesia e da música de Vinicius de Moraes e Tom Jobim, com a voz sublime de Paula Morelenbaum. No Casino Estoril, às 23 horas de dia 17. Mas estou certa de que, de 9 a 18 de Setembro, serão muitos os momentos de vibração, riso, reflexão e maravilhamento.

Texto publicado no Jornal de Letras - Edição de 31 de Agosto a 13 de Setembro de 2016.

 

(conheça aqui o programa do FIC)

 

 
 
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