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Desnorte | Entrevista | João Morales | Time Out Lisboa

 

Dentro de Ti Ver O MarDesnorte – Contos
de Inês Pedrosa
Edição portuguesa: 194 páginas,
Publicações Dom Quixote
PVP: 14,90 euros

 

"Não podemos confundir a ficção com a nossa vidinha"

Nos contos do mais recente livro de Inês Pedrosa, Desnorte, há muita perda, ausência e vazio. E só mesmo pela ficção é possível aos protagonistas recuperarem o que lhes falta. João Morales foi tirar dúvidas com a autora.Ana Luzia confirmou-lhe o rosto.

Por entre a chuva que assolava o país e a intensa programação das Correntes D'Escritas, na Póvoa de Varzim, a conversa aconteceu. O mote era Desnorte, o novo livro de Inês Pedrosa, uma colecção de contos que é talvez também um repositório de experiências e memórias, embrulhadas em papel de ficção. Há homenagens, alfinetadas e transfigurações. Uma conversa que ficou marcada pelo local, porque o local também marcou o livro.


Fazer uma entrevista nas Correntes D'Escritas sobre um livro em que um dos contos é uma homenagem ao encontro, não deixa de ter piada...

Sim, e esse é um dos motivos para o livro ser lançado aqui. Esse conto surgiu para um dos números da revista anual do festival, mas foi bastante alterado, até o titulo era outro. E é, claro, uma homenagem.

Embora esse conto seja bastante divertido, um dos elementos quase sempre presentes em Desnorte é uma noção de perda – há vazios, há ausências, muita gente que morreu. Porquê essa marca?
Com o tempo, as pessoas vão sentindo mais esse peso e eu também já o sinto bastante. Há tempos, fiz uma lista de pessoas que entrevistei e já faleceram, escritores em particular. Criei uma figura inspirada numa pessoa que já desapareceu do mundo da escrita (porque está doente há mutos anos), a Agustina Bessa-Luís, e coloco-a a regressar e a participar neste encontro. Gostava que se tornasse numa profecia... Em todos estes contos, há pessoas questão à beira de um qualquer limite e sem saberem como reagir a ele.

"As Curvas do Tempo" começa com a frase: "queria voltar a ter quinze anos". A literatura pode tentar corrigir o passado?
É mesmo uma das funções que tem. Não se pode refazer, mas pode imaginar-se o passado como ele poderia ter sido e, a partir disso, ajudar a construir o futuro. Esse conto é a história de um homem que encontra o amor muito tarde, e queria tê-lo encontrado mais cedo ... lembro-me de uma frase da Marguerite Duras, em O Amante, "muito cedo na minha vida foi demasiado tarde".

Inês Pedrosa
Em todos estes contos, há pessoas que estão à beira de um qualquer limite e sem saberem como reagir a ele.

A frase "em cada escolha eliminamos um feixe de possibilidades" tem várias ressonâncias: a teoria do caos, O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam, do Jorge Luis Borges... o livre arbítrio...
Esse é a grande questão contemporânea, aquilo que distingue o nosso tempo de todos os outros é a dimensão desse feixe de escolhas. Hoje, temos muito mais possibilidades, cada um de nós é mais livre do que alguma vez foi, no sentido em que temos um mundo mais disponível. Por exemplo, a quantidade de pessoas que conhecemos ao longo da vida é exponencialmente maior. As pessoas viviam confinadas, não havia as viagens, nem os conhecimentos... os amigos estavam quase predestinados, como a família.

Jean-Paul Sartre dizia que estamos condenados a ser livres...
Exactamente. A promessa existencialista cumpre-se, mas há um desespero nisso. Tantas pessoas que nós conhecemos se mostram esmagadas e incapazes de escolher. Recordo-me de A Fera na Selva, do Henry James, em que há uma fera na selva, à espera de saltar. Essa fera seria o amor da vida dele, a mulher que encontrou. Mas só quando está no caixão é que ele percebe que era o grande amor da sua vida. E passou-lhe ao lado.

Porque é que nestes contos há diversos jornalistas, sempre homens?
Não tinha pensado nisso... provavelmente porque sou mulher, fui jornalista e é capaz de ser uma forma de evitar passar a ideia de que me estou a retratar a mim mesma. Eu preciso dessa distância, entendo que a ficção nos ensina sobre a humanidade, não podemos confundi-la com a nossa vidinha.

Entrevista a João Morales, Time Out Lisboa 16-22 Março de 2016

 

 

 
 
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